Um dos mitos que surgiu nos últimos anos é o de que o Facebook está a ouvir as nossas conversas, por aparecerem misterisamente no nosso mural anúncios sobre assuntos que falamos mas sobre os quais nunca pesquisamos ou mostramos interesse.
Caso não se lembrem de um amigo com uma história destas, podemos tomar como exemplo o relato da TikToker @sheafast que durante a tarde conversava com o seu fornecedor sobre leite de aveia para a sua cafetaria e à noite apanha anúncios sobre leite de aveia no seu mural do Facebook.
@sheafast They listen. Truth warning ⚠️ #oatmilk #coffeeshop #facebook #listening #conspiracy #data #smallbusiness #shortage #cellphone #fyp ♬ original sound – FAST
Quando nos deparamos com estas coincidências, juntamos a capacidade do nosso smartphone capturar audio ao apetite das tecnológicas registarem tudo e mais alguma coisa sobre os nossos comportamentos e saltamos para a narrativa de que o Facebook nos está a ouvir.
Será que o Facebook nos está mesmo a ouvir?
Para tirar dúvidas, nada como começar por ouvir ler o que o Facebook tem a dizer.
Em 2016, quando estas teorias de conspiração começaram a aparecer, o Facebook veio esclarecer no seu blog que não usava o microfone para personalizar anúncios ou o conteúdo no mural. O acesso a microfone limitava-se a funcionalidades específicas como a gravação de video e necessitaria sempre de obter permissão para a app o fazer.
É o próprio Mark Zuckerberg em 2018, sob juramento, a responder ao senador Gary Peters que o Facebook não captura audio para obter informação pessoal sobre os utilizadores.
Testando a teoria de que o Facebook nos ouve
Para quem prefere não acreditar no Facebook, podemos sempre recorrer ao teste realizado em 2020 pela empresa de segurança Wandera. Para o efeito, colocaram durante 3 dias um iPhone e um Samsung Galaxy numa sala de teste com um vídeo de comida para animais em loop durante 30 minutos. Noutra sala de controlo, colocaram dispositivos idênticos mas em silêncio.
O teste da Wandera procurava responder a duas coisas:
- Se durante o período de teste o consumo de bateria, uso de aplicações em background ou consumo de dados era diferente entre as salas?
- Se surgiam anúncios de comida para animal nessas apps depoiis do período de teste?
Os resultados não encontraram nada que indicassse que os smartphones ativavam o microfone ou transferiam dados em resposta ao loop de audio, sendo as variações de consumo de dados ou bateria insignificantes e não surgindo quaisquer anúncios de comida para animais depois do período de testes.
Porque não faz sentido para o Facebook ouvir-nos ?
Em 2017, Antonio García Martínez, um ex-responsável pela área de monetização no Facebook, escrevia num artigo para a Wired que se o Facebook decidisse gravar tudo o que telefone ouvia isso representaria um volume de dados acima dos 20 petabytes por dia, apenas nos EUA, quando toda a capacidade de armazenamento total do Facebook é de “apenas” 300 peatbytes, com incrementos diários de 600 terabytes.
Se o Facebook decidisse mesmo ouvir tudo o que dizemos, isso representaria 33x mais dados do que guarda diariamente. Além da carga de trabalhos computacional, acresce ainda o risco o serem banidos das app stores ou de terem à perna os reguladores com enormes multas por violação de privacidade.
Depois do mito, a realidade que custa ouvir
E a realidade é que o Facebok não precisa de nos “ouvir”, pois sabe rastrear de forma muito eficaz aquilo que fazemos.
Dentro da sua app, além de saber os amigos, grupos e páginas que seguimos, consegue também saber por onde andamos através do acesso a localização. Mesmo se desligarmos os serviços de localização da app, o Facebook pode tentar estimar a localização usando sinais como check-ins, sinal GPS ou endereço de IP.
Fora da app, o Facebook tira partido da plataforma Meta, percebendo que sites vistamos graças ao Meta Pixel, um pedaço de código que é usado pelos donos dos sites para medir conversões de campanhas ou através do Facebook Plugin que permite criar e entrar num site usando as credenciais do Facebook.
Explicando os anúncios que nos “ouvem”
Se ainda assim procuram uma explicação porque é que a nossa TikToker recebeu anúncios sobre leite de aveia, a razão está muito provavelmente relacionada com o Facebook saber que duas pessoas estiveram no mesmo local, tentando apresentar um produto que também poderia estar interessada, um pouco à semelhança do que o algoritmo da Amazon faz, mas alimentado pela enorme quantidade de sinais na posse do Facebook.
Outra explicação é um viés cognitivo de disponibilidade e de procura de padrões, onde subitamente reparamos naquele anúncio que por acaso foi nosso tema de conversa. Não nos damos conta é é que somos expostos a milhares de anúncios online todos os dias mas ignoramos mais de 99% deles, querendo dar sentido a um anúncio que desta vez reparamos.
Se querem saber mais porque estão a ver um determinado anúncio no Facebook, podem aceder a uma pequena elipse em qualquer anúncio Facebook e vos deixa perceber os motivos porque estão a ser impactados.
Em alguns destes anúncios, aparece que o mesmo foi mostrado por termos interesse num determinado tópico. Se seguirem essa informação vão encontrar a secção de Tópicos de Anúncios que para a maioria das pessoas mostra centenas de tópicos através dos quais os anunciantes chegam até nós.
O que fazer para nos “ouvirem” menos
Para diminuir estas coincidências, a solução passa por reforçar a nossa privacidade online:
- Limitar as permissões que damos às apps, em particular as que acedem a informação sobre localização, como a do Facebook
- Usar um browser com maiores preocupações de privacidade, como o Firefox ou Safari
- Navegar em modo privado ou incognito se queremos deixar menos rasto do nosso histórico
- Não usar autenticação com Facebook Login
- Usar uma VPN para esconder o endereço de IP
- Usar uma extensão ou plugin que bloqueie anúncios para que anunciantes e plataformas de adtech tenham menos possibilidade de perfilagem
Para os que ainda assim continuam a acreditar que o Facebook nos ouve, podem sempre retirar as permissões do microfone da app.
